sábado, 14 de junho de 2014

Amor: a profundidade dos gestos simples!

FREDERICK KAEMMERER 
Casamento

Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos e esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.
O silêncio d quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.

Texto extraído do livro "Adélia Prado - Poesia reunida".

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Tempo, tempo, tempo, tempo...


Mais uma poesia noturna, de Pereira da Silva.

Reflexões

I

Que é nossa vida para a eternidade?
O átomo de um dia.
Dois instantes: - o da natividade
E o da última agonia.

II

Olhando essa extensão indefinida,
Este círculo ambiente,
Que espaço humano ocupa a nossa vida?
Sete palmos somente...

III

E, por tão pouco, por que prova rude
Passa o homem mais forte,
Para se libertar dessa inquietude
Pelas portas da morte!

(Pereira da Silva)

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Poesia simbolista paraibana revisitada: poeta Pereira da Silva



A consciência
Antônio Joaquim Pereira da Silva (1876-1944)

Noite... sombras... silêncio... indefindia
angústia imponderável pelo ambiente.
Penso, em meu leito, como um ser consciente:
- "Mais um dia de menos para a vida..." -

Como os dias passados - o presente.
Ideias vãs; desesperada lida;
Esforço inútil; alma incompreendida
Em tudo quanto crê ou quanto sente;

A juventude quase no seu termo;
Mente mais débil; corpo mais enfermo,
A nobre fé de antanho menos forte...

Que horror! A consciência, como a aranha,
Tais razões urde e nelas se emaranha
Que só fica a razão final da morte!



sábado, 23 de fevereiro de 2013

Saudades!


Recordo ainda...
Mário Quintana

Recordo ainda... E nada mais me importa...
Aqueles dias de uma luz tão mansa
Que me deixavam, sempre, de lembrança,
Algum brinquedo novo à minha porta...

Mas veio um vento de Desesperança
Soprando cinzas pela noite morta!
E eu pendurei na galharia torta
Todos os meus brinquedos de criança...

Estrada afora após segui... Mas ai,
Embora idade e senso eu aparente,
Não vos iluda o velho que aqui vai:

Eu quero meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino... acreditai!...
Que envelheceu, um dia, de repente!...

sábado, 19 de janeiro de 2013

Ah! Quintana...



Das Utopias


Se as coisas são inatingíveis... ora!
não é motivo para não querê-las... 
Que tristes os caminhos, se não fora 
a mágica presença das estrelas! 
                         Mário Quintana

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quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Mais um pouco de Drummond!

Estudando o poeta Carlos Drummond de Andrade no momento, deparei-me com uma de suas poesias amorosas, muito bonita! Compartilho com os "drummondianos"!


Quero

Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutos
me digas: Eu te amo.

Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
e no seguinte,
como sabê-lo?

Quero que me repitas até a exaustão
que me amas que me amas que me amas.
Do contrário evapora-se a amação
pois ao não dizer: Eu te amo,
desmentes
apagas
teu amor por mim.

Exijo de ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre, isto cada vez mais.
Quero ser amado por e em tua palavra
nem sei de outra maneira a não ser esta
de reconhecer o dom amoroso,
a perfeita maneira de saber-se amado:
amor na raiz da palavra
e na sua emissão,
amor
saltando da língua nacional,
amor
feito som
vibração espacial.

No momento em que não me dizes:
Eu te amo,
inexoravelmente sei
que deixaste de amar-me,
que nunca me amastes antes.

Se não me disseres urgente repetido
Eu te amoamoamoamoamo,
verdade fulminante que acabas de desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor.
Carlos Drummond de Andrade